Clarity

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Para pensar... (Um)


"(...)_Te abanca, índio velho, que tá incluído no preço.
_Aai... – geme o paciente.
_Toma um mate?
_Não, não.
_Respira fundo, tchê, enche o buxo que passa.
O paciente respira fundo. Ele pergunta:
_Qual é o causo?
_É depressão, doutor.
O analista de Bagé tira a página de trás da orelha e começa a enrolar um cigarro.
_Tô te ouvindo.
_É uma coisa existencial, entende?
_Continua, no más.
_Começo a pensar, assim, na finitude humana em contraste com o infinito cósmico.
_Mas tu é mais complicado que receita de creme Assis Brasil.
_Então tenho consciência do vazio da existência, da desesperança inerente à condição humana, e isso me angustia.
_Posso dar um jeito nisso agorita – diz o analista de Bagé com uma baforada.
_O senhor vai curar a minha angústia?
_Não, vou mudar o mundo. Cortar o mal pela mandioca.
_Mudar o mundo?
_Dou uns telefonemas aí e mudo a condição humana.
_Mas... Isso é impossível.
_Ainda bem que tu reconhece, animal!
_Entendi. O senhor quer dizer que é bobagem se angustiar com o inevitável.
_Bobagem é espirrá na farofa, isso é burrice da gorda.
_Mas acontece que eu me angustio, me dá um aperto na garganta...
_Escuta aqui, tchê. Tu te alimenta bem?
_Me alimento.
_Tem casa com galpão?
_Bem... Apartamento.
_Não é veado?
_ Não.
_Tá com os carnê em dia.
_Estou.
_Então, ó bagual. Te preocupa com a defesa do Guarani e larga o infinito.
_O Freud não diria isso.
_O que o Freud diria tu não ia entender mesmo. Ou tu sabe alemão?
_Não.
_Então te fecha. E olha os pés no meu pelego.
_Só sei que estou deprimido e isso é terrível. É pior que tudo.
Aí o analista de Bagé chega a sua cadeira para perto do divã e pergunta:
_É pior que o joelhaço?"
(Luis Fernando Veríssimo, "O Analista de Bagé")

Será que seus problemas são tão grandes ou você está com uma mania terrível de usar uma lupa?

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